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A definição mais adequada de prontuário é dada pelo grupo de trabalho sobre arquivos médicos do Conselho Nacional de Arquivos – CONARQ: “o prontuário do paciente é o documento único constituído de um conjunto de informações registradas, geradas a partir de fatos, acontecimentos e situações sobre a saúde do paciente e a assistência prestada a ele, de caráter legal, sigiloso e científico, que possibilita a comunicação entre membros da equipe multiprofissional e a continuidade da assistência prestada ao indivíduo”.

Atualmente, trabalha-se com a ideia de três tipos de prontuários: i) o prontuário eletrônico (PEP), que é uma tecnologia empregada no registro, armazenamento e controle digital das informações do paciente; ii) o prontuário digitalizado, que, embora não seja propriamente um prontuário eletrônico, é um prontuário de papel escaneado e armazenado digitalmente; e iii) o prontuário de papel.

De toda forma, independente da espécie de prontuário, este instrumento é tratado como peça fundamental no atendimento contínuo ao paciente, possibilitando a troca de informações entre membros da equipe multiprofissional e, até mesmo, com outras instituições de saúde. Dada sua relevância, diversas normas foram editadas para tratar do tema.

Nos últimos anos, o tema “prontuário” foi tratado, a princípio, pela Resolução n. 1.639/02 do Conselho Federal de Medicina – CFM, a qual, posteriormente, foi revogada pela Resolução n. 1.821/07, também do CFM, que se encontra atualmente em vigor e cujo objetivo foi estabelecer normas técnicas concernentes à digitalização e ao uso de sistemas informatizados para a guarda e manuseio dos documentos dos prontuários dos pacientes, autorizando a eliminação do papel e a troca de informação identificada em saúde. Após, a Resolução n. 2.218/18 do CFM revogou disposição que estabelecia convênio entre o CFM e a Sociedade Brasileira de Informática (SBIS) para expedição de selo de qualidade dos sistemas informatizados.

Ademais, questões sobre a digitalização, utilização de sistemas informatizados para a guarda, armazenamento e manuseio de prontuário de pacientes são regidas pela Lei n. 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD), que teve sua vigência postergada pela recente Medida Provisória 959, e pela Lei n. 13.787/2018, que será, substancialmente, abordada a seguir.

Uma primeira ideia trazida pela Lei n. 13.787/2018, é a de que o processo de digitalização de prontuários de pacientes deverá ser feito de maneira a assegurar a integridade, a autenticidade e a confidencialidade do documento na versão digital.  Em outras palavras, a digitalização precisará reproduzir todas as informações contidas nos documentos originais, mantendo-se, é claro, seu caráter sigiloso, e os arquivos digitais oriundos da digitalização dos documentos dos pacientes deverão ser controlados por sistema especializado (gerenciamento eletrônico de documentos – GED).

Para a digitalização, deverá ser usado certificado digital emitido no âmbito da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil) ou outro padrão legalmente aceito.

Ainda, segundo a legislação, os documentos originais poderão ser destruídos após sua digitalização. No entanto, anteriormente à destruição, os documentos digitais deverão, obrigatoriamente, ser analisados por uma comissão permanente de revisão de prontuários e avaliação de documentos, criada especificamente para essa finalidade. A função da comissão, portanto, é constatar a integridade do prontuário eletrônico e avalizar a destruição dos documentos originais.

            A exceção trazida pela lei contempla os casos de documentos de valor histórico, que assim forem identificados pela comissão, os quais deverão ser preservados de acordo com o que dispõe legislação arquivística.

A lei também estabeleceu o prazo de 20 (vinte) anos, contados a partir do último registro, para manutenção do prontuário eletrônico. Passado esse tempo, os prontuários poderão ser eliminados, quer sejam de papel ou digitalizados.  Ressalta-se que ainda não há disposições a esse respeito, mas a lei reservou ao regulamento a possibilidade de fixar prazos diferentes para a guarda de prontuário de paciente de acordo com o potencial uso em estudos e pesquisas na área da saúde e das ciências humanas e sociais, bem como para fins probatórios e legais. Decorrido o período de 20 (vinte) anos, alternativamente à eliminação, o prontuário poderá ser devolvido ao paciente.

Em que pese regulamento ainda deva ser editado para estabelecer exatamente a destinação final de todos os prontuários e a forma de sua eliminação, esse processo deverá, também, preservar a intimidade do paciente, o sigilo e a confidencialidade das informações.

O documento digitalizado e armazenado em conformidade com as normas estabelecidas na Lei n. 13.787/2018 e nos respectivos regulamentos terá o mesmo valor probatório do documento original para todos os fins de direito. Ou seja, tanto os prontuários em papel, quanto os eletrônicos ou digitalizados, têm relevante utilidade como prova em eventual processo judicial, ético ou disciplinar, servindo para esclarecer como se deu a conduta dos profissionais da saúde bem como do hospital em relação a determinado paciente.

Todavia, apesar da aparente evolução no tratamento do prontuário do paciente, é necessário destacar que o assunto não se encontra totalmente regulamentado, isso porque a própria Lei n. 13.787/2018 trouxe inúmeros aspectos ainda a serem definidos por meio da edição de atos normativos para complementá-la e possibilitar sua efetiva aplicação. Outro desafio é aliar os ditames da referida legislação com a já comentada LGPD, que, entrando em vigor, trará ainda mais questões de ordem legal a serem consideradas para o armazenamento de dados essencialmente pessoais e sigilosos, como é próprio do conteúdo de um prontuário.

Por: Fernanda Abreu de Freitas

Advogada do Setor Cível e Empresarial, com ênfase em Direito da Saúde, do escritório Kátia Rocha Advogados. Pós-graduada em Direito Civil e Direito Processual Civil.

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