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A inserção da multa nos contratos de aquisição de insumos e materiais médico-hospitalares ainda enfrenta forte resistência por parte dos gestores e administradores dos nosocômios. Parte-se da equivocada noção de que a multa representa mecanismo voltado, única e exclusivamente, à penalização do infrator contratual.  

Com efeito, o propósito do presente artigo é demonstrar, de forma sucinta, que, a depender das circunstâncias do caso concreto, a inclusão de multa – em especial, a cláusula penal compensatória – pode ser benéfica para as instituições hospitalares, limitando eventual valor indenizatório a ser pago por estas na hipótese de inadimplemento contratual.

De início, importante mencionar que, no âmbito do direito privado, o instituto jurídico da multa é conhecido por diversas nomenclaturas, como pena convencional e cláusula penal. Esta última trata-se da expressão mais técnica e que, por essa razão, foi utilizada pelo legislador do Código Civil.

A cláusula penal é aquela segundo a qual os contratantes, com vistas a assegurar a fiel execução do contrato, se comprometem, em caso de descumprimento dos termos pactuados, a arcar com determinada penalidade de natureza pecuniária, esta previamente estipulada. Constitui, portanto, espécie de garantia contra o inadimplemento contratual.

Segundo a renomada doutrina de Orlando Gomes, “a cláusula penal é o pacto acessório pelo qual as partes de um contrato fixam, de antemão, o valor das perdas e danos que por acaso se verifiquem em consequência da inexecução culposa da obrigação.”

É possível extrair, assim, as funções precípuas do instituto: (i) função coercitiva, na medida em que a imposição de sanção, inegavelmente, funciona como meio para constranger as partes ao adimplemento da avença; (ii) função ressarcitória, através da pré-fixação da perdas e danos, isto é, da quantificação prévia do montante a que fará jus a parte vítima do descumprimento contratual. Registre-se, por relevante, que a função ressarcitória está atrelada a apenas uma das espécies de cláusula penal: a cláusula penal compensatória, objeto do presente excerto.

Nessa linha, cumpre ressaltar que duas são as modalidades de cláusula penal: a cláusula penal moratória e a cláusula penal compensatória. A primeira se refere às situações de retardamento no cumprimento da obrigação. A segunda, por sua vez, se aplica às hipóteses de inexecução total da obrigação.

Com o fim de elucidar a diferença entre as espécies citadas, socorremo-nos a uma das figuras contratuais de maior relevância prática: a locação. A título exemplificativo, suponha-se que locador e locatário firmem contrato de locação de imóvel pelo prazo de quinze meses e aluguel mensal de R$ 2.000,00. A cláusula que pune o locatário pelo atraso no pagamento do aluguel é de natureza moratória, ao passo que é compensatória a disposição que penaliza as partes pela retomada/devolução do imóvel antes do prazo estipulado de quinze meses.

No tocante à aquisição de materiais médico-hospitalares, tomemos como norte contrato pelo qual o Hospital, no período de dois anos, se obriga a adquirir mensalmente R$ 10.000,00 em produtos comercializados pelo fornecedor. Será de natureza moratória a cláusula que penaliza a entidade hospitalar pelo atraso no pagamento do valor mensal pactuado. Noutro giro, será de natureza compensatória o dispositivo que pune o nosocômio por encerrar o contrato antes do prazo estipulado.

“Na eventualidade de atraso no pagamento, haverá a incidência de multa de 2% sobre o valor da parcela inadimplida, além de juros de 1% ao mês.” (cláusula penal moratória)

“Caso o adquirente opte por encerrar o presente contrato antes do término do prazo estipulado, será devida ao fornecedor a importância de R$ 8.000,00.” (cláusula penal compensatória)

Superada a exposição inicial quanto à cláusula penal compensatória, é viável compreender a importância da inserção desta nos contratos firmados pelas instituições hospitalares, partindo-se de três premissas fundamentais.

1ª premissa) A cláusula penal compensatória, como explicitado, possui finalidade de quantificar antecipadamente as perdas e danos (função ressarcitória). Bem por isso, a cumulação da referida cláusula com eventuais prejuízos sofridos pela parte que não deu causa ao descumprimento do contrato é rechaçada pelo ordenamento jurídico brasileiro, sob pena de incorrer em dupla punição pelo mesmo fato. (STJ, Recurso Especial 1.335.617/SP)

2ª premissa) Se não houver expressa previsão de indenização suplementar no contrato, a cláusula penal constituirá limite máximo indenizatório, pouco importando se os prejuízos sofridos em razão do inadimplemento excederem o seu valor (art. 416 do Código Civil)

3ª premissa) De outro lado, havendo previsão de indenização suplementar no contrato, a cláusula penal compensatória representará limite mínimo indenizatório. Neste contexto, caberá ao contratante demonstrar que a cláusula não é suficiente para reparar os prejuízos decorrentes do descumprimento contratual. (art. 416 do Código Civil)

Aplicando de forma concreta as premissas citadas, retomemos o exemplo pelo qual o Hospital se obriga, por período de dois anos, a adquirir mensalmente R$ 10.000,00 em produtos comercializados por determinado fornecedor. No instrumento contratual, há previsão de cláusula penal compensatória no importe de R$ 8.000,00, inexistindo, todavia, disposição que permita a indenização suplementar.

Suponha-se, ainda, que a instituição hospitalar, em virtude da ausência de repasses por parte do Poder Público e do consequente estrangulamento de suas finanças, não tenha alternativa senão romper o contrato de aquisição de materiais médico-hospitalares ainda no ano inicial, dando ensejo a prejuízos ao fornecedor da ordem de R$ 30.000,00.

Neste cenário, apesar do rombo de R$ 30.000,00, o fornecedor, por força da ausência de permissão à indenização suplementar, poderá exigir do Hospital apenas o montante de R$ 8.000,00 (limite máximo indenizatório).

Com efeito, o ponto crucial deste artigo se insere no entendimento de que, mediante a inserção de cláusula penal compensatória, é possível limitar a quantia a ser despendida pelo Hospital em caso de inadimplemento do contrato de aquisição de materiais médico-hospitalares, bastando, para tanto, a exclusão da previsão de indenização suplementar.

A referida limitação, além de ser medida extremamente importante do ponto de vista financeiro, permite ao hospital prévio conhecimento sobre o montante que haverá de desembolsar em razão de eventual descumprimento contratual, fornecendo, assim, subsídio para que os gestores e administradores hospitalares mensurem os riscos e vantagens da tomada de decisão pelo inadimplemento de determinado contrato ou, numa esfera mais ampla, possam optar, de forma racional e calculada, por qual contrato inadimplir.

Por: Mathews Magalhães Gomes Vieira Marques